sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Menino sírio morto na praia turca vende pastilha no semáforo do Midway

Cefas Carvalho: Incoerência leva muita gente a rejeitar crianças pobres brasileiras em situação parecida com a dos jovens refugiados.


Sabe Aylan Kurdi, o menino sírio cujo corpo foi bater à praia na Turquia e que comoveu o mundo? 

Pois é. Se ele, filho de refugiados do Oriente Médio tivesse sobrevivido e conseguido chegar a um país europeu, seria mais uma entre milhões de crianças "indesejadas" pela sociedade europeia.

Supondo que Aylan batesse em uma praia brasileira, não morto, mas vivo, seria um imigrante refugiado no Brasil, certo?

Como os haitianos.

Que sofrem retaliações e agressões de nós, brasileiros hospitaleiros e sensíveis.

Uma vez vivo e filho de refugiados, Aylan teria que sobreviver, não é? Possivelmente seu destino seria vender chicletes em semáforos ou pedir esmola nos calçadões das praias urbanas.

Sabe aquelas crianças que fazem exatamente isso, vendem chicletes em semáforos (enquanto fechamos os vidros do carro com medo dele nos assaltar) ou pedir esmola nos calçadões das praias urbanas (que não damos porque achamos que ele vai usar a grana para cheirar cola)?

Pois é, entendeu a analogia, né?

Não quero cair na armadilha fácil que muito critico de "ah, se você fica indignado com isso, porque não fica indignado com aquilo?".

Cada um se revolta e se entristece com o que quer e lhe afeta. Não se trata de patrulhamento aqui.

Mas sim de cobrar coerência.

Não dá para se lamentar pelo jovem sírio e tratar os jovens daqui de Felipe Camarão, da periferia de Recife ou das favelas cariocas como marginais.

É incoerência. Na verdade, é canalhice ou ingenuidade. No caso dos meus amigos, prefiro acreditar com todas as minhas forças que é a segunda hipótese.

Percebi que uma amiga jornalista postou um texto comovido sobre Aylan. Recordo que há alguns anos a convidei para conhecer o Beco da Lama. Ela recusou porque tinha medo dos "meninos de rua de lá que fumam crack e podem nos roubar".

Pois é, querida, um dos meninos "de lá" poderia ser o Aylan.

O menino sírio cujo corpo brotou à praia também é flanelinha lá perto do Midway. E vende pastilhas nos alternativos. E tenta entrar no Midway e é barrado pelos seguranças com o sorriso cumplice dos frequentadores que... nas redes sociais lamentam o descaso dos europeus com os meninos refugiados.