sábado, 24 de novembro de 2012

AS LEIS NOSSAS DE TODO DIA


 (MACIEL)

Há um emaranhado de leis que dão embasamento ao ordenamento jurídico. São artigos, parágrafos, incisos, códigos, estatutos, decretos, acrescidos de regimentos, atas, normas, regras, acordos, combinados e até exceções que visam organizar, moralizar, corrigir, advertir, coibir, penalizar, na nossa casa, na rua, na blitz, no radar e previstos em sinalizações e avisos que vão desde extensas mensagens até lembretes simpáticos: sorria, você está sendo filmado!

Na verdade todos nós nos revestimos de certa autoridade ainda que em alguns momentos e situações específicas. Esse poder nos chega pela hierarquia familiar ou na empresa onde trabalhamos, pela instituição onde exercemos um cargo voluntário, pelo respaldo legal da formação acadêmica e enfim, de algum modo e até por questões que envolvem nossa própria justiça, recorrendo ainda que seja à lei do bom senso.  

E foi assim que outro dia advoguei a favor do Xote Ecológico do centenário Gonzagão, ensaiado numa versão adulterada. Cantarolava-se que nem o Chico Bento sobreviveu. Consegui devolver o Chico Mendes e socorri a música. Fiz mais pelo autor para que sua composição não seguisse a partir dali com injusta deformação, mas não fui capaz de corrigir meu sogro, aos gritos: “dêem água a esse bezerro que ele também é ser humano”, nem ousaria usar de autoridade para constranger um dos nossos homens de comércio em sua felicidade pela concretização de um dialogo “à altura” com seu interlocutor:
_ Me dê um copo de H2O!
Prontamente colocou um copo sobre o balcão e o encheu com água:
_ Tá vendo, também sei inglês!

Em pesquisa recente descobri que O Código de Processo Penal Brasileiro criado em 1941, no Art. 244 já previa que “A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito...” Em minha insistência na procura achei coerente e lógica a interpretação prevista no citado artigo de que “Diante da fundada suspeita de que uma pessoa esteja na posse de arma proibida, o policial pode e deve realizar a busca pessoal, independentemente de mandado”.

Foi de posse desta informação que encontrei nos meus registros dois casos dignos de nota que aconteceram no passado em nossa cidade. Um pela passagem do sargento Macilon, junto à esposa dona Aparecida. Eles participavam, organizavam e animavam as noites de carnaval. Num desses dias seu Zé André puxou da cintura uma faca a fim de fazer um cigarro de palha. Logicamente foi abordado pelo sargento em traje carnavalesco e munido do então artigo 244:
_ E essa faca?
_ E o senhor quem é?
_ Eu sou o delegado!
_ A mim não me consta, pois eu conheço a poliça é pela roupa e pra mim o senhor tá nu.

O segundo foi com o senhor Boa Noite abordado por um policial militar diante da denúncia de que estava embriagado e portando um objeto cortante:
_ Me dê a faca!
_ Num dou!
_ Pois teje preso!
_ Num tou!
E o Código Penal no artigo 330 fixa pena para quem desobedece à autoridade.

Por justiça, deixo aqui de autoria do septuagenário Irmão Jaime, uma frase representativa daquelas que neste contexto se submetem à legislação gramatical, sem nenhuma transgressão. Foi desde quando ele negociava ao interpelar um dos seus fregueses para ser justo na cobrança da conta, tanto quanto o foi para com a linguagem formal: “Foram quantos sequilhos mesmo?” E é de meu bisavô, Fernando Vaginova, bem ali do século passado, a resposta que registro merecidamente e, ao menos no meu texto, em letras garrafais, quando foi interrogado sobre o que impede o progresso de um povo e que pode até explicar ou justificar o entrelaçamento de leis criadas sob medida para tudo e para todos: A IGNORÂNCIA.

Enfim, como escreveu Euclides da Cunha quando engenhou Os Sertões, “Resumamos: enfeixemos estas linhas esparsas” que não eram esparsas, mas que aqui são bem poucas e intensamente passíveis de penalidades.

Obs. Agradeço a meu pai, Antonio Branco, pela contribuição no texto quanto aos relatos históricos.

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