Em
1989, a revista Veja deu uma capa que provocou uma barulhenta polêmica.
Cazuza
estava morrendo de AIDS, e seu emagrecimento avassalador vinha sendo
acompanhado por todos em fotos. Na etapa final, Cazuza parecia uma caveira.
A
capa da Veja estampava Cazuza na etapa final com a seguinte chamada: agonia em
praça pública.
A Veja matou Cazuza em vida em 1989 |
A
Veja matou em vida Cazuza.
Era
um tempo em que os autores não assinavam textos na Veja. Aos curiosos, quem
escreveu o texto final foi Mario Sergio Conti, um dos jornalistas mais maldosos
que conheci. (Hoje, MSC faz os espectadores dormir num programa de entrevistas
na Globonewzzzzzzzz.)
Bem,
mas o que eu ia dizer é que, passados cerca de 25 anos, a Veja poderia dar uma
outra capa na mesma linha agônica.
Apenas,
em vez de Cazuza, o personagem seria a Editora Abril, que publica a Veja.
A
Abril parece também estar com AIDS, não na versão controlável de hoje, mas no
modelo fatal dos dias de Cazuza.
O
emagrecimento da editora é extraordinário.Nesta semana, no que já se tornou uma
rotina, mais revistas foram fechadas (ou despachadas para a semimorte na
Editora Caras, da qual os Civitas são sócios) e mais demissões foram feitas.
Entre
alguns ex-abrilianos, houve uma comoção.No Facebook, uma jornalista veterana
que trabalhou mais de vinte anos na Abril postou a informação e disse que
sentia vontade de chorar.
Mas
ponderaram a ela que a Abril de hoje em nada parece com a Abril de um passado
já remoto.A alma da empresa se transformou, ou se revelou, ainda não tenho meu
diagnóstico definitivo, mesmo tendo passado 25 anos na empresa.
A
Abril é maligna.A Veja faz mal ao país. Pratica um jornalismo criminoso – ou de
exceção, como definiu seu diretor Eurípides Alcântara, seja lá o que isso
representa.
Mente,
distorce, estimula o ódio e a divisão entre os brasileiros. Investe sem pudor
nenhum contra a democracia, como se viu na capa lançada um dia antes do segundo
turno das últimas eleições. O único objetivo era interferir, com um golpe sujo,
no resultado.
A
Veja se infestou de discípulos de Olavo de Carvalho, o que significa uma visão
de mundo ultraconservadora, homofóbica e outras coisas sinistras do repertório
dos olavetes.
A
ex-abriliana chorosa se confortou quando lhe foi dito, por algumas pessoas, que
já não era a Abril dela.
Ela
reconheceu que já não lia nada da Abril fazia muito tempo, por discordar
inteiramente da linha da Veja e da empresa. “Sequer em consultório de
dentista”, afirmou.
A
Abril agoniza em parte como resultado da emergência da Era Digital, e em parte
como fruto da inépcia de seus donos.
Como
um dinossauro, a editora não conseguiu se adaptar aos novos tempos. Demorou
para aceitar que a internet ia engolir a mídia impressa (e as demais, como
agora ficou claro).
Numa
de minhas últimas conversas com Roberto Civita, pouco antes de eu sair da
Abril, ele me perguntou, aflito: “Onde estão as fotos como as da Life?”
Ora,
elas estavam, e estão, na internet, mas Roberto não conseguia enxergá-las.
Hoje,
você vê a Abril fazendo bobagens extraordinárias na internet. Uma das maiores,
e escrevi sobre isso, é a TVeja.
Veteranos
jornalistas têm conversas intermináveis sob uma câmara em geral estática, numa
negação completa à cultura digital.
No
canal da TVeja no YouTube, você encontra os resultados desse voo cego.
Visualizações miseráveis, às vezes na casa das dezenas.
É
claro que ninguém da Veja e da Abril se deu ao trabalho de pesquisar melhores
práticas mundiais de tevê no jornalismo digital.
Quanto
dura a agonia?
Revistas
têm consistentemente cada vez menos leitores e cada vez menos anunciantes.
Como
carruagem ou filmes para máquinas fotográficas, revistas se transformaram num
produto em extinção.
E o
que Abril sabe, ou sabia, fazer era revistas.
É
previsível que num prazo entre curto e médio sobrem do quilométrico portfólio
da Abril umas três ou quatro revistas, e mesmo assim condenadas, elas também, à
morte.
Veja,
Exame, talvez a Claudia, talvez a 4 Rodas, e vamos parando.
Um
próximo passo inevitável vai ser a saída do caro prédio da Marginal do
Pinheiros.
A
Abril alugava as duas torres. Já devolveu uma, e não deve tardar a entregar a
outra também.
Quanto
aos funcionários, os que sobreviveram aos cortes recentes sabem que podem
perfeitamente estar no próximo. E isso faz da Abril uma empresa tóxica para
trabalhar.
Uma
coisa particularmente bizarra é que mesmo agonizando e fazendo bobagens
notáveis, a Abril, pela Veja, dá aulas diárias ao governo de como administrar o
país.
Parece
o Estadão, que uma vez publicou um editorial no qual dizia: “Como vínhamos
alertando a Casa Branca etc etc.” Os Mesquitas não conseguiam deixar de pé seu
jornal, e mesmo assim ofereciam conselhos ao presidente americano.
Não
creio em outra vida, em nada disso. Sou um clássico e irremediável ateu.
Mas
fico aqui pensando que Cazuza bem que merecia, de algum lugar, observar a Veja
sofrer a agonia em praça pública que ela impiedosamente colocou na capa sobre
ele em 1989.
Por
Paulo Nogueira, do DCM Via Blog de Francisco Castro
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