Uol:
O flúor é um gás que pode causar problemas sérios. E também é usado para
fabricar uma série de outros gases artificiais, alguns dos quais quase deixaram
a humanidade exposta a queimaduras por luz ultravioleta – e ainda hoje
contribuem para o aquecimento do planeta.
“O
flúor é o Tiranossauro Rex da tabela periódica”, diz o professor de Química
Andrea Sella. “Ele reage espontaneamente com qualquer outro elemento, exceto
hélio, neônio e argônio.”
Se
você algum dia se deparar com flúor elementar, puro, verá que ele tem uma
aparência inócua: é um gás pálido, de cor amarela. Mas na verdade ele é tão
perigoso que o departamento onde Sella trabalha, na University College London,
em Londres, sequer guarda a substância em estoque.
O
gás tem um cheiro parecido com o do cloro, diz Sella. “Mas se você cheirar
flúor, saia correndo o mais rápido que pode.”
Sella
tem uma garrafa de um outro material assustador – o ácido hidrofluorídrico. Sua
acidez – ou seja, a reatividade dos íons de hidrogênio que ele contém – não é
na verdade tão forte quanto a dos ácidos hidroclorídrico e sulfúrico.
Ainda
assim, trata-se de uma substância excepcionalmente nociva, porque os ferozes
íons de flúor podem penetrar no seu corpo profundamente. “É uma queimadura
incrivelmente dolorosa, que você não consegue tratar porque o gás está lá
dentro”, diz Sella.
Uma
vez dentro, o flúor “engole” o cálcio do corpo, o que pode levar à falência
cardíaca nos casos mais extremos.
A
corrosividade do ácido hidrofluorídrico tem suas utilidades, por exemplo, no
corte de vidro ou na fabricação de circuitos de microchip.
Mas
esse gás nocivo é usado principalmente para produzir uma série de outras
substâncias químicas que, em comum, possuem uma propriedade surpreendente: são
incrivelmente não reativas, ou seja, não reagem quimicamente com facilidade.
“O
resultado dessa extrema reatividade do elemento flúor é que seus componente são
incrivelmente estáveis”, explica Sella. “Moléculas cercadas por flúor são como
uma tartaruga cercada por uma carapaça que você não pode quebrar.”
O
Teflon (nome comercial da substância politetrafluoretileno), por exemplo, é
composto por longas cadeias de átomos de carbono envoltas em flúor. Quando o
carbono e o flúor se unem, formam um material particularmente forte e
quimicamente impenetrável. Ele não reage ao calor, à eletricidade, nem a outros
produtos químicos (incluindo ácidos e solventes). E também é a substância com
menor atrito que se conhece. Por tudo isso, é ideal para revestir panelas.
A
pasta de dente é um outro exemplo. Ela contém quantidades minúsculas dos
agressivos íons de flúor. Porém, uma vez na sua boca, os íons se combinam ao
cálcio nos seus dentes para criar uma camada protetora de fluoreto de cálcio,
bastante resistente.
Depois,
há os gases – os “gases F”, como são chamados.
Os
mais notórios são os clorofluorcarbonetos, ou CFCs – compostos de flúor,
carbono e cloro – que, como se descobriu na década de 1980, estavam destruindo
a camada de ozônio na atmosfera.
As
moléculas de CFC são robustas o suficiente para atingir, intactas, as regiões
superiores da atmosfera. Uma vez lá, poderosos raios ultravioleta do sol
quebram as moléculas, liberando o cloro que, por sua vez, começa a destruir o
ozônio à sua volta.
Como
o ozônio filtra as ondas mais nocivas de ultravioleta emitidas pelo sol, isso é
problemático. Caso a liberação do CFC tivesse continuado, a quantidade de
ultravioleta atingindo a superfície da Terra teria aumentado até cem vezes,
causando queimaduras extremas e câncer de pele.
Os
gases CFC começaram a ser produzidos em massa porque foram identificados como
um refrigerante perfeito – um fluido que passa rapidamente da forma gasosa para
a líquida e vice-versa, absorvendo e liberando grandes quantidades de calor no
processo.
Por
causa disso, podiam ser circulados por refrigeradores ou aparelhos de ar
condicionado para transferir o calor para fora. Sua rápida habilidade de
resposta também faz com que sejam usados como propelentes em sprays e
aerossóis, como os de desodorantes.
Seu
inventor foi o químico americano Thomas Midgley Jr. (1889-1944), homem que teve
uma vida um tanto quanto trágica: intoxicou-se com chumbo após despejar a
substância em suas próprias mãos para tentar provar que não era tóxica.
Contraiu poliomielite na meia idade e construiu um mecanismo que o ajudava a
sair da cama. No entanto, acabou morrendo asfixiado na engenhoca.
Segundo
o químico Ian Shankland, que hoje tenta desenvolver substâncias com
propriedades refrigerantes na gigante da indústria química Honeywell, os CFCs
inventados por Midgley tiveram consequências sérias para o mundo.
“Se
voltarmos aos anos 1920″, ele diz, “refrigerantes eram inflamáveis, como os
hidrocarbonos, tóxicos, como a amônia, ou inflamáveis e tóxicos, como o metil
cloro. Havia acidentes e pessoas morriam”.
Os
CFCs, no entanto, eram aparentemente inertes, então Midgley achou que tinha
criado uma alternativa “segura” – o que levou à proliferação de aparelhos de ar
condicionado em residências, escritórios e automóveis.
Décadas
se passariam até que os perigosos efeitos dos gases CFC fossem identificados. O
mundo reagiu rapidamente com a assinatura, em 1987, de um dos primeiros
tratados globais sobre o meio ambiente, o Protocolo de Montreal.
E
funcionou. Estudos feitos no ano passado encontraram evidências de que a camada
de ozônio pode ter finalmente se estabilizado – 25 anos após o início do
processo de suspensão do uso de CFCs.
Mas
essa foi a boa notícia. A má notícia é que ainda nos vemos às voltas com um
outro terrível legado desses gases: eles contribuem para o efeito estufa e seu
efeito é muito mais potente do que o do dióxido de carbono.
Ainda
hoje, respondem por 14% de todo o aquecimento global que resulta de ações
humanas.
E
um problema adicional é que a mesma estabilidade química que torna os CFCs tão
“seguros” como refrigerantes também faz com que sua decomposição na atmosfera
demore muito tempo. (A camada de ozônio estava sendo destruída por uma
proporção relativamente pequena de moléculas que alcançaram a atmosfera e
ficaram expostas aos raios ultravioleta mais fortes.)
“Sua
potência resulta do fato de que a ligação entre o carbono e o flúor é a mais
forte ligação única entre átomos em moléculas orgânicas”, explica o químico Ian
Shankland. “Essa mesma ligação de carbono e flúor absorve a radiação
infravermelha e portanto os CFCs são gases muito potentes do efeito estufa.”
Por
conta disso, a proibição no uso de gases CFC também teve “o maior impacto até
hoje na atenuação da mudança climática”, segundo Stefan Reimann, que monitora
emissões de gases flúor para a World Meteorological Organization (Organização
Meteorológica Mundial, WMO na sigla em inglês).
Mas
ainda há várias outras emissões de “gases F”. O uso de fluoreto de cálcio na
fundição de alumínio, por exemplo, para baixar a temperatura e permitir a
extração do metal do minério, resulta em emissões de CF4, o tetrafluoreto de
carbono.
Suas
moléculas contém quatro dessas ligações ultra estáveis de flúor com carbono, o
que significa que ele dura dezenas de milhares de anos na atmosfera – e é cinco
mil vezes mais potente do que o CO2 como gás causador do efeito estufa.
Há
também o trifluoreto de nitrogênio, que dura séculos e é 17 mil vezes mais
potente do que o CO2 como gás causador do efeito estufa. Ele é com frequência
emitido no processo de gravar silicone – incluindo, ironicamente, o silicone
usado na manufatura de alguns painéis solares, supostamente positivos para o
meio ambiente.
O
pior infrator é o hexafluoreto de enxofre – um gás usado para impedir faíscas
elétricas em sub estações de eletricidade. Ele tem 20 mil vezes mais potência
do que o CO2 na produção do efeito estufa.
Segundo
Stefan Reimann, esses novos gases F – a maioria deles lançada após o Protocolo
de Montreal ter entrado em vigência, em 1989 – contribuem para entre 1% e 2% do
efeito estufa, mas essa contribuição deve subir para 20% em meados do século,
na medida em que chineses, indianos e africanos comecem a usar ar condicionado
– particularmente em automóveis.
Corrida
do Ouro
Em
vez de CFCs, a maioria dos aparelhos de ar condicionado modernos usa um outro
refrigerante não inflamável chamado hidrofluorcarbono, ou HFC. Essa linha de
refrigerantes foi desenvolvida na década de 1980 por Ian Shankland e sua equipe
na Honeywell.
Eles
retiraram o cloro que destruía a camada de ozônio nos CFCs e o substituíram por
hidrogênio. Segundo Shankland, isso cria um mecanismo que permite que a
molécula se degrade mais rapidamente na atmosfera – ao longo de décadas em vez
de séculos.
Ainda
assim, esses gases são mil vezes mais poderosos como causadores do efeito
estufa do que o CO2. E isso é particularmente problemático em aparelhos de ar
condicionado para automóveis porque a vibração do veículo faz com que 10% do
HFC vaze para a atmosfera anualmente.
Por
conta disso, a União Europeia está proibindo o uso de HFCs a partir de 2017. E
a equipe de Shankland já tem um substituto: os HFOs, ou hidrofluor-olefinas.
Segundo Shankland, essa nova geração de refrigerantes reage muito rápido na
atmosfera, desaparecendo em poucas semanas.
Apesar
da vida curta e riscos mínimos para o meio ambiente, os HFOs já causam dores de
cabeça para seus fabricantes, a Honeywell e sua associada Dupont.
Em
2012, o fabricante alemão de carros Daimler disse que, durante testes, um
Mercedes que usava o novo refrigerante HFO virou “uma bola de fogo”. Mais
tarde, a empresa disse que as chamas produziram vapor de HF e também uma outra
substância química, um gás venenoso parecido com o fosgênio (usado como arma
química na Primeira Guerra Mundial).
Desde
o teste, tem havido um bate-boca entre a Honeywell e a Daimler – a Honeywell
acusa a Daimler de ter programado o teste para obter aquele resultado.
Os
incentivos comerciais são imensos: os HFOs custam cerca de dez vezes mais do
que seus antecessores. Aliás, a diferença no preço levantou suspeitas de que a
Honeywell e a Dupont teriam feito um acordo para fixar o preço do novo
refrigerante, o único que atende às novas especificações europeias. Por conta
disso, a UE iniciou uma investigação com base em leis antitruste.
Qualquer
que seja o resultado da investigação, os HFOs já estão sendo instalados em milhões
de carros novos. Até agora, nenhum explodiu. E nenhum está emitindo poderosos
gases causadores do efeito estufa, o que parece ser uma boa notícia…até agora.