Maciel Souza |
Ordem, sentido e diploma!
Voltei à Escola Agrícola “Vidal de Negreiros”
onde cursei o ensino médio. No banheiro, um senhor na porta cobrava R$ 2,00.
Pedi que me deixasse entrar, pois tão logo providenciaria o dinheiro: _Só
mediante pagamento adiantado_ foi o que disse. Saí indignado:_Volto a minha
escola e sou tratado assim?_ Com lágrimas nos olhos acordei. O sonho foi depois
que assisti a uma reportagem em que policiais militares vão administrar escolas
públicas do estado de Goiás ao custo de R$ 1.500,00 reais ao ano por família e,
desempregado, o pai de uma das alunas diz que vai tirar a filha da escola: “Eu
não tenho condições. Como fica para alguém sem emprego?”
A nossa escola tem profundas marcas do
militarismo. Até aí nenhuma novidade. Fardamento, disciplina, atividades,
castigo, portões fechados, corredores... são heranças desse modelo. O que chama
atenção é o “aprofundamento de relação” e o processo sorrateiro de
terceirização da educação pública, em meio a discussões por uma educação
inovadora, inclusiva e pela desmilitarização da polícia.
Segundo a reportagem, “A Secretaria de
Educação de Goiás garante que quem não puder pagar terá vaga garantida em outra
escola pública e de graça”. Está claro nesta fala, nada eufêmica, o discurso
segregado de que o estado de Goiás vai dispor de uma escola para os que podem e
outra para os filhos de pais que não podem custear, numa segunda milha, uma
melhor escola para seus filhos. Entretanto, até para aqueles que “não se
adaptarem ao projeto”, fica “resolvido” aí o inciso constitucional de que
educação é direito de todos e dever do Estado. E assim chegou o dia de nosso
contracheque determinar em que escola pública matricular nossos filhos, depois
da cobrança de pedágio nas estradas e antes de nossa conta bancária certificar
de vez nosso acesso a determinados procedimentos médicos ofertados pelo SUS.
Atento a este processo de mercantilização do
público, mais especificamente da educação e de passagem por um município
vizinho, observei um carro de som fazendo propaganda de um curso de pedagogia
ministrado por uma instituição privada. Os atrativos eram aulas uma vez por
semana, brindes e garantia de diploma daqui a três anos. A impressão é de que
fazem anúncios de cursos para formação de professores igual se empurra
panfletos de produtos de supermercado por debaixo de nossas portas. Na
Finlândia, por exemplo, país que se destaca em educação, esse mesmo professor
leva sete anos para se formar, dos quais três anos é residência pedagógica e,
ainda aqui no Brasil, segundo estudos da professora Bernardete Gatti, que serve
também para as duas escolas do estado de Goiás, 69% do curso de Pedagogia são
apenas teoria, os outros 31% são muitas vezes teoria sobre a prática.
Eu vi há pouco que de olho no repasse de
recursos do MEC, um gestor municipal anunciou em blogues o sorteio de uma moto
para atrair matrículas de alunos em suas escolas de Ensino Fundamental no
início deste ano letivo. Ora, sem querer abordar as estatísticas de morte por
esse meio de transporte a serem consideradas numa decisão pedagógica, nem
pretender discutir aqui questões que implicam numa possível incoerência
educacional, diante do que prever a Legislação Nacional de Trânsito com relação
a menores enquanto condutores; num país onde educação é levada a sério no
mínimo o sorteio seria de livros ou procurariam conquistar alunos pelo seu
diferencial pedagógico.
O exemplo mais forte que vem de Goiás só
confirma as dificuldades tremendas em avançarmos na mudança de paradigma da
educação e pior, não conseguimos desvencilhar-se desse formato de escola que já
provou não irá redimir o país. Sempre entendi que educação e polícia repressiva
atuam em lados opostos, mas há os que justificam esse tipo de atitude como meio
de contenção à violência que adentrou os muros das escolas. Nestas horas
referências a Paulo Freire, pensamentos de Rubem Alves, experiências de Emilia
Ferreiro... só molduram nossos trabalhos acadêmicos e provam que nos
apropriamos dos conceitos de Educação como redenção, reprodução e
transformação da sociedade (SAVIANI, 1987) apenas para fundamentar as
nossas teorias. Na prática mesmo chamamos a polícia e impomos ordem na
casa.
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