Quem
te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele
que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que
alguém, homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos
contentes me salva da morte ao me ver Grilo.
Esse
que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por Jó, cavaleiro sábio que
insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil édipo de talento
transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por cavaleiros de
Sheakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes.
Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de
todos eles, meu favorito foi teu Grilo.
O
Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com ferros minha boca cansada.
Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem chicote, no lombo dolorido de mim e
nele descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom
pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos. Me fazia sorrir
tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu era feliz e magro e
desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal percebia
a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já sentia por ele, e
por você, Ariano.
Depois
do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado,
que encontra saídas pelas cêrcas de arame farpado, e encontra sempre uma
sombra, um riachinho, um capim bom. Você Ariano, e teu João Grilo, me levaram
para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos corações de
toda gente daqui desse país bonito e duro.
Depois
do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos
arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com
rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e
coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira de balanço de
palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda estória pra nós. Um beijo,
meu melhor cavaleiro.
Teu, Matheus Nachtergaele"