Na
primeira semana depois das eleições, o Congresso Nacional deu um claro recado à
presidente reeleita Dilma Rousseff (PT): derrubou o decreto bolivariano que
criava conselhos populares em órgão públicos, convocou ministros e a presidente
da Petrobras, Graça Foster, para prestar esclarecimentos em comissões e
ensaia desengavetar propostas que causam dor de cabeça ao Planalto, como o
chamado Orçamento Impositivo. Para Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN),
presidente da Câmara dos Deputados, Dilma precisa saber “conversar e
“compartilhar mais” já nos próximos dois meses, quando encerra
seu primeiro mandato. “Não pode ser como vinha sendo: o PT escolhendo o
que quisesse, principalmente os melhores ministérios, e deixando o resto para
os outros. Não pode e não deve ser assim. A presidente Dilma tem dois meses
para provar que as coisas não vão ser assim”, afirmou. Depois de onze mandatos
na Câmara, Alves foi derrotado na disputa pelo governo do Rio Grande do Norte e
ficará sem mandato em janeiro. Nos últimos dias, seu nome passou a figurar na
bolsa de apostas do futuro ministério de Dilma, o que ele descarta. Mas,
como reza o anedotário político de Brasília, quando se quer um cargo de
ministro, o melhor a fazer é dizer justamente o contrário – diz a máxima que, a
partir daí, seu nome passará ser lembrado constantemente. Leia a
entrevista ao site de VEJA.
Como
o senhor viu o apoio de Lula ao seu adversário Robinson Faria (PSD) na disputa
ao governo do Rio Grande do Norte? Eu fui surpreendido. O Lula nunca tinha
visto o Robinson na vida dele. Esqueceram de avisar que o Robinson que ele
apoiou neste ano é o mesmo que há quatro anos ele gravou contra. Se amanhã
passar do lado, acho que o Lula nem o reconhece mais. Enquanto eu era líder do
PMDB, sempre que havia uma votação importante, o Lula me chamava para
conversar e para negociar. Agora, ele grava uma entrevista em um
formato de bate-papo elogiando o Robinson, dizendo que ele ia mudar o Rio
Grande do Norte. Isso foi decisivo [para a derrota], foram muitas inserções ao
longo de vários dias.
O
senhor chegou a procurar o PT pedindo que as gravações não se repetissem no
segundo turno? Eu procurei o Michel Temer, que na hora telefonou para o
Lula pedindo para que não gravasse mais. Tudo bem que a chapa do Robinson
estava com o PT para o Senado, mas no plano nacional eu estava com a Dilma.
Depois que pedi para pararem, foi quando usaram as propagandas desbragadamente.
O Lula não deve ter feito nenhum gesto para pararem de usar. O Temer também
procurou o Rui Falcão, mas não adiantou. Ficou uma coisa muito constrangedora.
O Lula ia lá toda hora e classificava o outro candidato como a mudança. Mas sou
eu que o conheço, eu que o ajudei, que fui o seu parceiro.
Então
como fica a relação entre o PT e o senhor depois destas eleições? A Dilma
teve outro comportamento. Eu disse que ela poderia ir lá no Estado que todos
estaríamos ao lado dela. Mas também disse que ia entender se ela achasse melhor
não ir, e ela realmente não foi. Não tenho nada a reclamar dela. Mas, com o
Lula, eu vou fazer o quê? Tem de ter maturidade e experiência para virar essa
página. Eu reconheço que a participação dele foi muito importante para o
resultado eleitoral. Mas, com ressentimentos, ficamos menores. E eu não quero
ficar menor com isso.
A
derrubada do decreto de Dilma foi um troco ao PT? Essa afirmativa é
desinformação ou má-fé. Essa matéria aguardava votação há três meses. Eu decidi
pautá-la, fiz um pronunciamento defendendo que o decreto era inconstitucional,
tentei diversas vezes que o Aloizio Mercadante o retirasse e apresentasse um
projeto de lei com urgência. O que nós queríamos era tirar a vinculação dos
conselhos à Presidência da República. Toda votação que se abria, a oposição
começava a obstruir enquanto não pautasse o decreto. Na hora que deu para ser votado,
a obstrução do PT não teve jeito. Se já era meu desejo que ele fosse votado e
derrubado e a pressão estava grande, não teve como ser diferente. A Câmara ia
ficar em um impasse sem votar nada? Mas isso não tem nada a ver com situação
nenhuma. Eu já falei com a Dilma, dei parabéns pela eleição, e ela sequer tocou
neste assunto. A presidente ainda disse que na próxima semana, quando voltar de
viagem, gostaria de falar comigo porque ia precisar muito da minha ajuda.
O
que o senhor acha que tem de mudar na relação entre Executivo e Legislativo
no novo governo? A Dilma nunca foi parlamentar e nunca passou nesta
Casa, como todos os outros presidentes passaram e sabem das tensões que temos
aqui, da necessidade de dar respostas. Ela exerceu uma função gerencial e se
tornou presidente da República. Eu acho que ela precisa conversar mais. Quando
convencer, muito bem. Quando não, ser convencida. Acho que ela vai partir para
isso, para um modelo diferente do primeiro mandato. Até porque antes ela tinha
um contexto eleitoral muito favorável, mas agora não, está dividido. E
aqui, pelo radicalismo da campanha, é um prato cheio para o Aécio, porque as
coisas vão se tornar ainda mais radicais. Mais do que nunca vai exigir a
colaboração do PMDB e ela própria vai ter de conversar mais com o setor
produtivo, com representantes empresariais, com o setor sindical e com
parlamentares.
Este
ano foi marcado por tensões entre a bancada do PMDB e o Planalto. O que o
Michel Temer disse sobre o novo governo depois da reeleição? Nada. Mas
agora a situação é outra. De fora da janela do Palácio do Planalto há um país
dividido. E tem de se ter muito cuidado para que amanhã não haja uma crise.
Agora tem de se calçar a sandália da humildade. A Dilma, na reta final das
eleições, quando precisou da ajuda do Nordeste, recorreu ao Lula. Até então
quase não se via o Lula participar das eleições, ele estava mais focado na
disputa de São Paulo. A Dilma tem de compartilhar mais, de participar mais. Não
pode ser como vinha sendo, o PT escolhendo o que quisesse, principalmente os
melhores ministérios, e deixando o resto para os outros. Não pode e não deve
ser assim. A Dilma tem dois meses para provar que as coisas não vão ser assim.
Qual
o caminho natural para a presidência da Câmara? Antes uma aliança entre o
PT e o PMDB era importante porque juntava muitos votos e quase conseguia
maioria. Era um rodízio que se impunha por serem as duas grandes bancadas da
Casa. Agora mudou a configuração e essas duas legendas não fazem 140 votos. O
fato de elas se entenderem não é nenhuma garantia de que farão o presidente da
Casa. Deve-se buscar o candidato que repete o sentimento da Casa, da
independência, que procure angariar apoio tanto da base quanto da oposição. Há,
hoje, um PMDB que não votou em Dilma. Nessa configuração confusa e muito
dividida, acho que o discurso vencedor vai ser de quem falar pelo Parlamento.
Eu acho inevitável que o PMDB procure a todos, oposição e governo, e
caracterize o discurso de Parlamento.
Há
hoje um nome alternativo ao Eduardo Cunha? Não. Ele é a indicação da
bancada. O Eduardo tem credibilidade, é respeitado pelos parceiros, pelos
adversários e cumpre acordos. É um nome muito forte.
O
senhor está na Câmara há 44 anos. Está preparado para não viver mais
essa rotina?Preparadíssimo. Eu passei a minha vida inteira morando em
hotel sozinho, passava dois ou três dias com a família e viajava. Imagine
o que é pegar um avião toda terça e quinta ao longo de todo esse tempo. Agora
eu estou preocupado com a minha qualidade de vida. Eu tenho uma empresa de
comunicação e vou ficar no comando do PMDB do meu Estado. Continuo na política.
Mas quero ter mais qualidade fazendo o que eu gosto.
E
a possibilidade de assumir algum ministério? Muitos querem que eu fique em
Brasília. Há pressão nesse sentido pela experiência que eu tenho aqui. Eu
poderia ficar fazendo um meio de campo entre o Michel Temer e o Eduardo Cunha.
Mas a indicação que eu tenho agora é ter uma qualidade de vida melhor.
Então
o senhor descarta tornar-se ministro? Descarto. Qualquer ministério.
Ministério é pior, porque a gente tem de estar aqui de segunda a sexta. A
política sacrifica muito a família. Eu tenho dois filhos que quase não vejo. A
gente começa a ver que o tempo está passando e está perdendo algumas
oportunidades. Então há coisas que vêm pelo bem. Eu tenho um jornal, uma TV e
vou ter participação política, mas vivendo com mais estabilidade.
Quem
poderia ser capaz de fazer esse meio campo e melhorar o diálogo com o
Parlamento? O Jacques Wagner, ex-governador da Bahia, é uma boa pessoa.
Ele é experiente, competente, malandro. Eu acho que ele vai para Relações
Institucionais. A Dilma não pode mais correr riscos. O país está dividido.
Fonte:
Veja
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