sábado, 5 de setembro de 2015

José Dirceu tornou-se um Guevara às avessas

Dizer o que desse texto de Josias de Souza? Nada, apenas apreciar….

A biografia de um homem público é o que sobra para ser resumido nas 15 linhas da enciclopédia. O que estilhaça o verbete de José Dirceu é o ‘entretanto’. Em outubro de 1968, quando foi preso pelas forças da ditadura, Dirceu, tenros 22 anos, considerava-se um projeto de Che Guevara à brasileira. Entretanto, neste setembro de 2015, preso em tempos de democracia e denunciado pela segunda vez por corrupção, Dirceu consolidou-se como um anti-Guevara.

O Guevara original tornou-se herói de várias gerações porque morreu jovem por uma causa perdida. Sobrevive como um cadáver bonito, um mártir fotogênico em camisetas de malha vendidas em butiques chiques a preços revolucionários.

Dirceu, o Guevara tapuia, viveu o bastante para chegar ao poder. Teve tempo para trair o próprio mito. Revelou-se um idealista que ainda não tinha chegado à chave do cofre. Aquela vontade toda de sacrificar-se pela causa, todo aquele desejo de servir à classe operária, tudo aquilo era impulsionado pelo velho e bom dinheiro. De pixuleco em pixuleco, o Dirceu de 2015 tornou o Dirceu de 1968 uma alegoria.

Ao anunciar que o ex-todo-poderoso do petismo está na lista de 17 pessoas denunciadas nesta sexta-feira na Operação Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol preocupou-se em distinguir os dois dirceus.

“José Dirceu foi um importante líder político brasileiro. Ele representou por muito tempo os ideais de muitos”, afirmou Deltan. Entretanto, é preciso verificar “se ele praticou fatos que são crimes em um contexto determinado. E os fatos e as evidências nos dizem que sim.”

A primeira prisão de Dirceu, aquela de 1968, ocorreu num sítio em Ibiúna (SP), durante o célebre congresso estudantil. Reuniram-se 800 estudantes. Elegeriam o presidente da UNE. Dirceu concorreria. Surpreendidos pela polícia, foram em cana. Ficharam-se todos. Liberou-se a maioria.

Oito líderes foram levados ao Forte Itaipu, em Santos. Beneficiados por habeas corpus, quatro saíram. O resto ficou no xilindró. Entre eles, Dirceu. Foram libertados em 7 de setembro de 1969, junto com um grupo de políticos, trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick.

O projeto de Guevara rumou para Cuba. Recebeu-o Fidel Castro. Abrigou-se na “casa dos 28″, ninho de treinamento de guerrilha. Entrou no Brasil em 1971, como integrante do Molipo (Movimento de Libertação Popular). Voltou a Cuba no mesmo ano, fez plástica no rosto com médicos chineses. Em 1975, retornou ao Brasil.

Vivendo clandestinamente em Cruzeiro do Oeste (PR), sob falsa identidade, na pele de dono de alfaiataria, potencializou o seu projeto de ser mito. Casou-se com uma dona de butique, teve um filho. Só emergiu depois da anistia, com o rosto reconstituído por nova plástica cubana. Elegeu-se deputado estadual e federal. Apossou-se da máquina do PT. Ajudou a fazer de Lula presidente. Virou um poderoso chefe da Casa Civil. Entretanto…

Hoje, 69 anos, cabelos ralos e nevados, o Dirceu do petrolão, um reincidente do mensalão, empurrou o Dirceu de Ibiúna para uma espécie de clandestinidade eterna. Conspurcou os fins e apropriou-se dos meio$. Não há cirurgia plástica capaz de reconstituir-lhe a face. Sonhou ser Guevara. Entretanto, queria reformar sua mansão de Vinhedo, não o Brasil.