O ódio destilado em cada palavra do pastor midiático ajuda a reforçar um dos maiores desafios da atualidade: uma doença chamada “intolerância”, enquanto outro líder religioso, Francisco, impulsiona mudanças reais em prol da justiça social, fazendo da humildade um ato de resistência
Por Maíra Streit
O pastor Silas Malafaia parece fazer uso contínuo do ditado “Falem bem, falem mal, mas falem de mim”. Com amplo destaque na imprensa durante essa semana, após troca de ofensas com o jornalista Ricardo Boechat, ele voltou a ser o centro das atenções em torno de mais uma polêmica. Aliás, sua biografia está repleta delas, o que garante visibilidade a quem já demonstra um fetiche bastante particular pelos holofotes.
O jeito histriônico, o dedo em riste, o olhar vidrado e a violência das palavras que emprega se tornaram marcas registradas do líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. E a maior celebridade gospel do país não economiza esforços em usar as câmeras para tentar destruir um de seus inimigos mais evidentes: a comunidade LGBT. “O ativismo gay é o fundamentalismo do lixo moral”, afirmou certa vez.
O vocabulário nada polido já foi usado contra a jornalista Eliane Brum – a quem se referiu como “vagabunda” – e o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, chamado pelo pastor de “bandido” e “safado”. O ódio destilado em cada palavra ajuda a reforçar um dos maiores desafios da sociedade brasileira na atualidade: uma doença chamada “intolerância”, que, teoricamente, a religião deveria ser a última a propagar.
As críticas raivosas de Malafaia, no entanto, não pouparam sequer o papa Francisco, acusado por ele de ter uma postura “covarde” e de não alertar para o “pecado” que existiria por trás da homossexualidade. De acordo com o pastor, faltava ao pontífice ler mais vezes a Bíblia.
A declaração que provocou toda essa ira fora dada em uma entrevista, quando o papa disse que os gays devem ser integrados à sociedade, e não marginalizados, afirmando que não teria motivos para julgá-los. Com uma frase aparentemente simples, ele já dava sinais de que viera para trazer um respiro de esperança em tempos sombrios.
A ação é uma prova de que é possível ter posicionamento firme diante das discussões políticas e sociais no mundo, sem recorrer à arrogante tentativa de subjugar as pessoas. Não foram poucos os assuntos espinhosos em que Francisco se mostrou crítico e atento, como na defesa da reforma agrária e do financiamento público de campanhas eleitorais.
O papa assumiu a bandeira contra a pena de morte, a destruição ambiental e a indústria bélica, mediou a aproximação entre Cuba e Estados Unidos e recebeu, pela primeira vez na história do Vaticano, um grupo de gays e lésbicas para uma audiência, assim como acolheu um transexual que estava sendo perseguido na paróquia que frequentava.
É óbvio que a Igreja Católica ainda tem muitas contas a acertar para que possa, um dia, ter cara e pensamento condizentes com o século XXI, no que se refere aos direitos reprodutivos e sexuais da mulher, só para citar um exemplo. Mas também é nítido que sua liderança máxima tem demonstrado uma energia considerável em promover o diálogo, a compreensão e uma postura de igual para igual com as diferenças.
Ao ter a humildade como um ato de resistência, o argentino Jorge Bergoglio ensina que é preciso escapar da cegueira profunda provocada pelo fanatismo. Mostra isso de face plácida, pés descalços e a rebeldia inerente aos grandes revolucionários, enquanto outros comprometem a dignidade em troca de poder e alguns tostões a mais.
Até mesmo os que não são religiosos concordam que, na luta pela equidade, a figura de Francisco representa uma lição a esses corações tão míopes, empenhados em inflar uma multidão armada com um olhar que nada vê. Sem ver, sobretudo, as próprias incongruências.
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