Tudo o que se pode esperar da escolha do sucessor de Bento XVI é o
fim de um Vaticano eurocêntrico. Desde que Karol Wojtyla tornou-se João Paulo
II, a Europa é o centro das atenções da Cúria. O Papa polonês cumpriu uma
fenomenal missão histórica ajudando a desmontar décadas de tolerância com as
ditaduras comunistas.
Seu sucessor teve um pontificado
medíocre enrolado pela tolerância com escândalos sexuais e financeiros de
sacerdotes. Um deles passou de raspão pelo Brasil, num trambique do namorado da
atriz Anne Hathaway, sócio do sobrinho do atual decano do Colégio de Cardeais,
o poderoso ex-secretário de Estado Angelo Sodano. A moça micou em US$ 135 mil e
o rapaz foi preso nos Estados Unidos.
As dificuldades do Vaticano com
suas finanças são antigas. Foi Pio IX quem avisou: “Posso ser infalível, mas
estou falido.” Já os desempenhos sexuais de alguns sacerdotes, mesmo sendo
coisa antiga, tornaram-se uma encrenca recente, com a qual João Paulo II e
Bento XVI nunca conseguiram lidar direito, envenenando a missão pastoral de
dioceses europeias e americanas.
O eurocentrismo da Cúria Romana
refletiu-se no Brasil. Durante o pontificado de Paulo VI, Pindorama passou de
dois para oito cardeais. Hoje tem cinco. Bento XVI deixou sem o barrete
cardinalício as arquidioceses do Rio e de Brasília. Porto Alegre teve cardeal e
está sem. Recife, a primeira sé cardinalícia brasileira, está na segunda
divisão desde os anos 60, quando a ditadura hostilizava D. Helder Câmara e não
queria vê-lo cardeal.
Se foi econômico com os barretes
brasileiros, Bento XVI foi generoso aspergindo-os pela Europa. Elevou a diocese
de Valencia (800 mil habitantes), na Espanha, mas não confirmou o barrete de
Porto Alegre (1,5 milhão de habitantes).
Quem especular o nome do sucessor
de Ratzinger pode jogar cara ou coroa. Nos seis últimos conclaves elegeram-se
três favoritos (Ratzinger, Paulo VI e Pio XII) e três azarões (João Paulo II,
João Paulo I e João XXIII, um gorducho que mal cabia nas vestes preparadas
pelos alfaiates que trabalharam durante o conclave.)
Pode-se esperar que, depois de um
Papa saído da academia de teólogos e da burocracia de Roma, venha um pastor,
como os dois João Paulo e João XXIII. Um administrador de diocese do Terceiro
Mundo uniria o útil ao agradável.
É assim que entra nas listas, com
um sopro romano, o cardeal de São Paulo, D. Odilo Scherer, pastor de uma das
maiores arquidioceses do mundo.
Aos 63 anos, teria um longo
pontificado. Ele tem uma característica anfíbia. É brasileiro, mas, como quatro
outros cardeais brasileiros (Claudio Hummes, Paulo Evaristo Arns, Aloisio
Lorscheider e Vicente Scherer, seu parente distante), descende da imigração
alemã. A mola mestra da eleição dos dois últimos papas foi a capacidade de
articulação da hierarquia alemã.
D. Odilo lidera a facção
conservadora do clero brasileiro, derrotada na última eleição da CNBB e nas
eleições gerais em que se meteu. Para consumo mundial, preenche o requisito de
um Papa do Terceiro Mundo, condição só superável pela escolha de um africano
como Francis Arinze, de Lagos. Mais que africano, Arinze tem 80 anos e passou
25 em Roma. Seria um Papa de transição.
Com uma eleição marcada para o
fim de março e um Papa vivo, vem aí um conclave inesquecível.
Elio Gaspari é jornalista, texto postado no Portal do Jornal O Globo
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