quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Médicos mal remunerados praticam ‘medicina vingativa’

O termo “medicina vingativa” foi usado pelo médico Cláudio Lottenberg, presidente do Hospital Albert Einstein, durante debate no Fórum Tecnologia e Acesso à Saúde, promovido pela Folha nesta segunda (31).

Segundo Lottenberg, o médico mal remunerado pratica a medicina vingativa. Pede exames demais, desnecessários, para diluir a sua responsabilidade.

Fiquei curiosa sobre essa tal de medicina vingativa e fui atrás para saber mais. Há registros desde 1998, exatamente o mesmo ano da criação da lei 9.656, que rege os planos de saúde. Naquela época, a Sociedade Brasileira de Auditoria Médica estimava que 20% dos médicos credenciados a grupos de medicina de grupo, convênio médicos, planos de autogestão e seguradoras cometiam algum tipo de fraude. Como achavam que ganhavam pouco, os médicos criavam métodos para arrecadar mais.

Os associados tinham (e ainda têm) uma mentalidade parecida: como pagam, costumam ir a vários médicos da mesma especialidade até encontrarem um que considerem mais simpático, por exemplo. Esquecem que carteirinha do plano não é um cheque em branco. Aquele custo será repassado para ele no próximo reajuste do plano.

Tudo conspira a favor dessa medicina perversa, a começar pelo atual modelo de remuneração, que premia a doença e não a saúde do pessoa. Que paga mais o especialista do que o generalista, o médico que deveria estar na porta de entrada do sistema de saúde.

Nenhum país do mundo com saúde universalizada acontece essa distorção que a gente vê por aqui, de o paciente marcando consulta direto com um especialista. No Canadá e Reino Unido, por exemplo, a regra é clara: passa primeiro com o médico de família, que é a referência dele dentro do sistema. É ele que, que, se for o caso, vai encaminhar o paciente para o especialista certo e dialogar com ele.

Com isso, evita-se o que a gente vê hoje por aqui: o paciente perdido dentro do sistema, passando de especialista em especialista, sem ninguém responsável por ele. Quando adoece, procura o pronto-socorro. Lá, faz um raio-X ou um outro exame qualquer e, pronto, está acabado o “cuidado”.

Quando isso vai mudar? Quando nós, pacientes, sairmos da passividade. Foi a uma consulta e o médico mal te olhou e já pediu exames? Reclame.

Durante o fórum, uma das tendências discutidas foi o autocuidado, inclusive com o uso de aplicativos em saúde. Com mais acesso à informação, os pacientes terão maior responsabilidade dentro do tratamento, o que deverá ter impacto na própria atuação do médico.

“Os médicos têm que entender que terão papel diferente no futuro e que perderão o protagonismo para o paciente”, previu Paulo Chapchap, superintendente de Estratégia Corporativa do Hospital Sírio-Libanês. Espero estar viva para ver isso.