terça-feira, 30 de outubro de 2018

A CRÔNICA DA CAIBEIRA E O CANTO DOS PÁSSAROS


O TEXTO A BAIXO FAZ PARTE DE MUITOS OUTROS, QUE VAI ESTÁ NO NOVO LIVRO DO ESCRITOR EDSON BATISTA, QUE SERÁ LANÇADO EM BREVE. TRATA-SE DA 2ª EDIÇÃO INTITULADA, JAPI TERRA QUERIDA. CAUSOS E CONTOS”.


Essa nova edição terá como parceiros:
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, (UFRN);
O doutor e Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte: Zé Daluz;
O doutor e professor: Edson Júnior, Universidade Estadual do Ceará UEC.
          

       Essa crônica vai descrever a trajetória de vida da mais linda árvore que existe na cidade de Japi/RN. Trata-se da grande caibeira do posto de saúde. Ela foi plantada por Ubaldo Borges há mais de quarenta anos, na areia que ele e seus companheiros havia colocado no muro do primeiro posto médico que acabara de ser construído na cidade. Embora Ubaldo tenha plantado, quem cuidou e zelou dessa planta desde o segundo dia em que ela foi plantada até chegar aos três anos de existência foi o senhor Vicente Paulino.
         Segundo Ubaldo Borges, cujo reside na rua Manoel Medeiros, logo que terminaram a construção do referido posto de saúde, o então prefeito Francisco Adésio de Medeiros (Neno Medeiros) mandou encher de areia todo o espaço que componha a área do muro do referido prédio. Ubaldo disse ainda, que a areia foi transportada do rio Jacu para o muro do prédio, dentro de carroceria de dois tratores, cujos pertenciam ao referido prefeito, e que os motoristas eram Manoel tratorista e ele.
       
  Paulo Manco e Ubaldo disseram a mim que o local que pegaram a areia no rio, naquela época era conhecido por Trapiá “(1º). (Nota de rodapé)”.

         Neste mesmo ano, em junho de 2018, Paulo Manco me disse que quem enchia de areia a carroceria dos tratores eram os senhores: Zé de Gringo, Mané Vaca Magra e também ele. Vale salientar, que meses antes, Ubaldo Borges havia dito a mim que “Pedão” e Otávio Dantas também trabalharam com eles nos referidos tratores enchendo carroceria de areia.
         Os motoristas dos tratores e alguns dos ajudantes me disseram que no momento em que encontraram a referida planta (a caibeira) pensaram que era um pé de manga, e que foi por isso que Ubaldo a trouxe e plantou-a no muro.
         Também num outro dia, quando eu conversava com Ubaldo a respeito da caibeira, ele me disse que o suposto pé de manga confundiu por muito tempo não só ele, mas também o então zelador do prédio, que era o senhor Vicente Paulino, que foi a pessoa que cuidou e zelou da plantinha com muito carinho desde que ela foi plantada na areia do muro do posto médico. Também, outros funcionários que posteriormente vieram trabalhar no referido posto pensaram que era de fato um pé de manga. A saber: Zé Albino e Manoel Gomes. Vale salientar ainda, que muitas pessoas da cidade também acreditaram que a referida plantinha era realmente um pé de manga. Esse pensamento perdurou nas mentes das pessoas da cidade até a década de 1980. O porquê de muitas pessoas não terem conhecido a espécie da referida planta ainda parece ser um mistério.
        
Sabe-se que para proteger a plantinha, logo que a encontrou no muro, após o dia em que Ubaldo a plantou ali, Vicente Paulino fez uma pequena cerca de tijolos velhos ao arredor dela e aguava-a todos os dias. Isso aconteceu durante um período aproximadamente de três anos
          Teinha, esposo de Moça de Zé Olinto também se expressou dizendo: “Por muito tempo também pensei que essa planta era um pé de mangueira. Também, já noutro dia, o senhor Jaime Caboclinho Dantas, que nessa época vendia num barraco que fica de frente para o posto médico, disse a mim que todos os dias via Vicente Paulino aguando a plantinha, e que também pensou por muito tempo que era realmente um pé de manga. Também confesso com toda a minha convicção, que dentre tantas pessoas da cidade, fui uma das que tive o privilégio de ver por diversas vezes o senhor Vicente Paulino aguando aquela bela plantinha, quando ela tinha aproximadamente trinta centímetros de altura.  Nessa época eu era ainda um adolescente.  Por isso tudo é que quando se fala dessa grande árvore vem logo a nossa mente a imagem da caibeira associada a pessoa de Vicente Paulino.    
        Agora, depois de conhecer de fato, a grande importância que é a caibeira para a nossa comunidade podemos dizer com toda certeza, que essa árvore é um patrimônio natural da nossa cidade. Embora hoje entendemos assim, um dia poderá surgir alguém que irá tentar destruí-la. O tempo dirá.
       
Hoje, ela é a maior árvore da cidade e ainda mais, vejam o quanto esse ser vivo representa para os japienses. É  grande e muito linda. Além de bonita, debaixo dela há muita sombra onde durante o dia, em eventuais situações, debaixo dela ficam muitas pessoas se protegendo dos raios solares. Isso, graças ao seu enorme tamanho e de sua copa fechada de cor verde. Ela é também a árvore mais deslumbrante, a mãe rainha, a mais encantadora e acolhedora da cidade. Ademais, ela não está mais sozinha ali. Em 2003, dentro do muro nasceu uma nova caibeira, que segundo Ubaldo e Paulo Manco é a filha da rainha que foi plantada dentro do muro por Ubaldo em 1978. Parece até que essa mais outra nova árvore foi plantada num local planejado por alguém bem detalhista, mas não foi. Foi a natureza quem cuidou desse detalhe. Ainda mais, a distância das duas para o muro é a mesma. Elas cresceram lado a lado uma da outra, deixando livre o espaço que fica a calçada de dentro do muro, que proporciona o acesso das pessoas a direção da porta de entrada do posto médico. E mais. As pessoas que caminham por debaixo da copa das duas plantas também são protegidas dos fortes raios do sol. Além disso elas nos alegram, enfeitam e embelezam mais esteticamente o espaço da frente do posto. Na parte de cima elas se abraçam com seus galhos e folhagem formando uma só cobertura como se fossem só uma mesma planta. As duas tem os mesmos propósitos: fazer sombra para as pessoas que ficam ao arredor do posto, dar mais brilho a cidade e a frente do posto e ainda servem de dormitórios as aves que lá se juntam. De fato, mãe e filha, estão ali vivas, muito lindas e maravilhosas celebrando e servindo todos os dias de braços abertos todos os visitante e comunidade local. Vale saber também, que a mais velha tem quarenta anos e a outra, a suposta filha tem quinze.   
         Quanto aos pássaros é importante dizer que durante a noite as caibeiras viram verdadeiramente dormitório de aves. Dentre as espécies que mais frequentam ali para dormir todos os dias, há uns que o povo os chamam de “pássaros pretos”. Eles se parecem com a craúna sendo o pássaro preto um pouco menor. Eles representam um número bastante relevante dentre os que participam dessa manifestação avícola recorrente diariamente, sendo os pardais os que representam a maior quantidade.
         Ainda sobre os pássaros pretos, é importante observar que todos os dias pela manhã e pela tarde, eles cruzam o céu da cidade vindo em revoada sobre as casas. Vale ressaltar ainda, que a maior parte deles são aves que migram das serras, em especial a serra grande aonde passam o dia se alimentando e se reproduzindo. À tarde, quando o sol começa a se esconder nas serras que ficam na parte ocidental da cidade eles retornam para cá com destino ao pé da caibeira. Eles passam aqui em rebanhos de oito, de dez e de doze aves. Fato esse, que é recorrente todos os dias. Aqui na caibeira, onde eles (os pássaros pretos) se juntam com outros pássaros: os pardais que vivem na cidade; galos de campina que vivem na beira do rio Jacu e nos campos. Após isso, depois que o sol se esconde no poente, a cantoria começa e só termina quando a noite de fato começa. Fazem parte dessa grande festa, centenas de aves de diferentes espécies, quando um dos principais objetivo delas talvez seja apenas cantar. Quando começam o canto desses seres, ecoa no espaço ao arredor da caibeira um grande e lindo som agudo num ritmo bem sintonizado, numa única linguagem que eles entendem perfeitamente. É de fato um verdadeiro coral. Elas cantam em uma só harmonia. É também uma das maiores animações e linda festividade sonora da cidade.
          Ó como é bom e maravilhoso acordar ouvindo o som do canto das aves que vem da direção da caibeira! Nem todos da cidade tem esse privilégio. De manhã, por volta das quatro horas, da grande árvore surgem os primeiros cantos. Perto do sol nascer a festa é ainda bem maior. A medida que o dia vai clareando muitos deles se despede da caibeira voando em direção as serras, enquanto outros ainda ficam cantando até o último sair da grande árvore. Todos os dias eu presencio de pertinho esses fatos acontecerem, pela tarde e pela manhã, porque minha residência fica bem próxima e de frente para a caibeira. Por isso é que tenho essa visão privilegiada.
          Por vezes, esses pássaros são nossos amigos, conterrâneos e companheiros noturnos, que embora como nós tenham as suas difíceis lutas diárias para sobreviver nos campos, nas serras e na zona urbana, antes de dormirem, quando se juntam na caibeira com seus lindos cantos nos transmitem grandiosíssimos gestos de: gratidão, amor, alegria, união, harmonia e paz. Mesmos sendo de espécies diferentes não percebemos até hoje nenhum desentendimento entre eles.
          Como é bom e agradável fazer caminhada cedinho nas praças da nossa cidade a partir das 04:00hs da manhã. A gente vai andando em sintonia com o som dos pássaros que vem da direção da caibeira, sentindo na pele a brisa do vento da manhã, sob a claridade do sol que surge no horizonte anunciando a certeza do novo dia que está chegando.
          Também, pessoas que passam de frente da caibeira pela manhã nesse mesmo horário, indo em direção do hospital, especificamente aquelas que vão pegar o transporte para irem a Natal se consultarem se sentem felizes, emocionadas e encorajadas com o canto dos pássaros, que nos faz acreditar mais na vida. Também, em alguns “botecos” e pequenas lanchonetes que ficam próximos a caibeira, há pessoas que todos os dias saboreiam os seus cafés compartilhando com o alegre som dos pássaros, aguardando o sol nascer ou mesmo aguardando algum tipo de transporte para viajar. 
         Para chamar a atenção da população para a caibeira durante a noite, uma vez por outra aparece uma grande coruja, cuja pousa sobre a arvore. Talvez ela venha à procura de alimento. Como também, costumeiramente se vê gatos subindo no tronco da árvore indo em direção aos galhos.  
         Outro fato que também nos chama a atenção e que perturba muitíssimo os pássaros, ocorre quando uma pessoa solta um fogo de artifício (pistola). As aves pretas são as que primeiro voam. Talvez por serem mais desconfiadas, porém logo retornam como uma nuvem pousando novamente sobre a caibeira. Também já presenciamos por várias vezes, meninos jogando pedra nos galhos da referida árvore, tentando possivelmente matar algum daqueles passarinhos.
          Se por um lado alguém perturba os pássaros, também, em parte os pássaros estão causando algumas pequenas mudanças desconfortáveis especificamente no espaço físico ao arredor da árvore. Basta que você olhe para a calçada do posto que certamente verá um tapete de fezes sobre ela formado por fezes dos pássaros que defecam enquanto estão na árvore rainha. Por causa disso, aqui vai um aviso. Se você não quiser levar uma pastada de fezes dos pássaros não passe na calçada durante as horas em que eles estiverem reunidos na caibeira.
           Ainda por causa das fezes das aves outro fenômeno está acontecendo, cujo vem mudando a visão do tronco da árvore como também os telhados das casas que ficam ao arredor dela. São árvores do tipo cactos como: facheiro, xiquexique e mandacaru. Tudo isso por causa das fezes dos pássaros pretos. Eles comem os frutos dos cactos na caatinga e defecam à noite quando nos galhos da caibeira.  Por causa disso, quando chove as sementes germinam e nascem essas plantas exóticas (os cactos) ao ambiente.
           Hoje muitos indagam: porque essas aves deixam o silêncio e a paz da selva e vem dormir no barulho da cidade? As vezes penso que gostam mesmo é da inquietude urbana haja vista que aqui no canto (no pé da caibeira) em que elas se juntam todos os dias é o local da cidade em há mais conturbação. É aonde ocorre o maior fluxo de pessoas; Concentração de órgãos públicos como: Secretaria de educação, escolas, creche, hospital, posto de combustíveis, quadra de esporte que fica no mesmo muro do posto e o centro de saúde; tráfego de automóveis do tipo: caminhões pesados, parada de transporte de passageiros, frota de taxistas e o maior fluxo de motos com canos furados. Já cheguei a pensar que o que atrai essas aves para cá é a claridade. Será? Talvez sim talvez não. Também já cheguei a pensar que é por causa do tamanho da árvore. No tocante ao tamanho da árvore me causa muitas dúvidas também, haja vista que na selva, especificamente no boqueirão perto de onde eles ficam durante o dia há árvore igual ou bem maior do que a nossa caibeira, num local de paz, sem barulho e longe de pessoas. Creio que tudo isso para nós ainda é um mistério. Só Deus sabe. Aliás. Se você observar com detalhe verá que nessa história há muitos mistérios.
          Quem diria que aquela pequena árvore, que a quarenta anos foi encontrada por Ubaldo Borges e seus companheiros, quando quase solitária estava na imensidão de areia do rio Jacu, em meio de um sol escaldante, quando o seu destino era a sua precoce morte, hoje tenha se tornado em um dos mais lindos e importante cartão postal da cidade de Japi e num símbolo de resistência e de uma vida longa e saudável.
        
  Além das várias boas qualidades e serventia dessa enorme árvore, durante todo o ano ela se apresenta com duas deslumbrantes roupagens naturais diferentes, cujo resplendor deixa a cidade mais colorida e bonita. De fato, nos últimos anos essa árvore veio se tornando mais atrativa. Para mim, ela é o que temos de mais lindo e fulgido na cidade em termo de algo natural. Para tanto, no inverno ela se veste de uma copa verde (as folhas), no verão ela se veste de uma copa a amarela (as flores).
          Quanto ao saudoso Vicente Paulino os filhos daqui jamais poderão esquecer esse legado de amor e carinho que ele deixou para com todos nós japienses. Para tanto, ele foi o responsável e pai adotivo desta magnífica árvore. Cuidou dela desde os primeiros dias de vida, quando ele a encontrou na areia do muro do posto até ela se tornar adulta. Agora, se ela existe devemos ser gratos a Ubaldo e ao saudoso Vicente Paulino, que é conhecido como: “o protetor da caibeira”.

        Nota de rodapé (1º) – Trapiá Era uma pequena área que ficava na beira do rio Jacu próxima ao cemitério. Naqueles tempos esse lugar era conhecido por esse nome devido a um pé de trapiá, uma árvore frutífera que existia lá, cuja fica na beira do rio. Agora, lamentavelmente essa linda planta não existe mais lá. A sua espécie foi praticamente extinta da nossa região. Outro fator que contribuiu muito para que essa pequena área ficasse conhecida por trapiá foi um grande poço de água que existia próximo a essa árvore, cujo, nesse tempo virou uma área de laser para a meninada. Ali, todos os dias, depois de brincarmos muito em lugares diferentes da cidade íamos se refrescar tomando banho nas águas do famoso “poço do trapiá” e chupar frutos de trapiá.


TRAPIÁ vem do tupi guarani e quer dizer “fruta de anta”, pois esse mamífero tinha predileção por essa fruta.
Árvore elegante, de 4 a 15m conforme as variações climáticas de cada região. A copa é arredondada ou semelhante a um guarda-chuva.


Autor: EDSON BATISTA DOS SANTOS.




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