Depois
de dois telefonemas, o encontro. O Papa Francisco recebeu esta semana um
cidadão espanhol transsexual e a namorada no Vaticano. "Claro que és filho
da Igreja", disse.
Diego
Neria Lejárraga era Cuca até há oito anos, quando decidiu fazer a operação
de mudança de sexo. Católico praticante, sofreu durante anos com o facto
de não ser aceite pela Igreja. Pelo menos pela parte mais conservadora da
Igreja na pequena cidade espanhola de Plasencia, em Cáceres, onde sempre viveu.
Há uns meses resolveu escrever uma carta ao Papa Francisco onde expunha o que
sentia e onde questionava se era mesmo filho de Deus. Mensagem recebida. O Papa
telefonou-lhe e o encontro com Diego e a namorada, Macarena,
concretizou-se este fim de semana no Vaticano.
“Deus
quer bem a todos os seus filhos, sejam como forem, e tu és filho de Deus por
isso a Igreja aceita-te como és”, terá dito o Papa Francisco quando telefonou
ao espanhol de 48 anos, que chegou a ser apelidado por um padre de ‘filha do
diabo’, para marcar os pormenores da sua ida ao Vaticano. O encontro
realizou-se no sábado passado, mas foi marcado propositadamente fora da agenda
oficial do chefe da Igreja Católica, longe dos holofotes.
A
realidade transgénero e transsexual tem ganho cada vez mais
expressão. Jazz Jennings tem 14 anos e é uma menina transgénero. Já criou uma fundação, tem ganho visibilidade na comunicação social e é a
protagonista de um documentário de Oprah Winfrey.
Conhecido
por telefonar às pessoas sem se fazer anunciar, o Papa Francisco ligou pela
primeira vez a Diego a 8 de dezembro, dia da Imaculada Conceição, e voltou a
apanhá-lo no telemóvel no dia 20 para acertar os pormenores da viagem.
Segundo o El Mundo, que já falou com Diego Lejárraga depois do
encontro papal, a primeira vez foi apenas para dizer que estava a par da sua
situação e que queria recebê-lo no Vaticano. Prometia ligar novamente.
Prometido,
cumprido. A 20 de dezembro, Diego estava de visita a Sevilha, onde vive a
namorada, quando recebeu a segunda chamada. Entrou numa loja para acalmar o
ruído e poder ouvir melhor. Era o Papa que estava do outro lado da linha a
perguntar-lhe quando lhe dava mais jeito ir a Itália. “Durante o fim de semana
é melhor, não é? ”, perguntou o chefe da Igreja Católica. “Quando quiser”,
limitou-se a responder. Ficou então marcado para um sábado, para não interferir
com a semana normal de trabalho do convidado, e depois de Francisco ter
pedido uns minutos para olhar para a agenda, lá atirou: “Tenho uma
possibilidade no dia 24 de janeiro às 17h, que tal? ”.
Feito.
Respondendo às dúvidas logísticas de Diego, o Papa ainda terá pedido para não
se preocupar com os gastos da viagem. De resto, “basta chegarem à porta da residência
de Santa Marta e dizerem que estou à vossa espera”.
Oficialmente,
a Igreja não reconhece mudanças de sexo, mas o Papa Francisco instou-a a
mostrar mais compaixão para com setores da sociedade que se sentem excluídos,
nomeadamente quando recentemente disse, a propósito dos homossexuais, “Quem sou
eu para os julgar? ”.
Diego Lejárraga não
adiantou muito à imprensa sobre o que foi dito na audiência com o Papa, por ser
“um segredo só deles [nosso]”, mas descreveu o momento como “uma experiência
única”. No limite, sabendo que a transsexualidade ainda não é bem aceite
por todos, espera pelo menos que o seu caso sirva para que outras pessoas
na sua situação não passem pelo mesmo tipo de discriminação que ele passou.
Observador.com