ESSE NOVO TEXTO É UMA CRÔNICA QUE
APRESENTA A HISTÓRIA DA ÚLTIMA ONÇA QUE FOI MORTA NESTE MUNICÍPIO. ESSE ENREDO
E OUTROS MAIS ESTÃO INSERIDO NA NOVA EDIÇÃO DO LIVRO QUE EM BREVE LANÇAREI AO
PÚBLICO, CUJO ESTÁ SENDO REVISADO. OBSERVAÇÃO: O TEXTO PODERÁ SER ALTERADO.
Segundo o autor do texto essa é a espécie que mataram na localidade de Casinha
Foto: André Pessoa
Francisco Félix (Curica) e Francisco
Cosme (Xixico) participaram ativamente dessa real história. Eles foram os
principais informantes dessa grande aventura, cuja foi descrita em prosa, numa crônica.
O enredo trata com detalhe, senas da luta cotidiana de uma fera selvática que
na sua ânsia faminta, com um incontrolável e feroz instinto animal em busca por
alimentos e por esconderijo, fugindo das armadilhas dos caçadores e donos de
fazendas daquela época.
Num pouco tempo em que a onça passou
por esta redondeza, menos de três meses, foi o bastante para provocar à
comunidade: prejuízos, espanto, medo, ira e revoltas aos moradores e criadores
de rebanhos. Por causa disso, o então fazendeiro Agenor Targino indignado com a
destruição que o felino estava provocando na sua propriedade (uma matança de animais em série), sentenciou
a onça de morte. Para tanto, ele reuniu moradores e caçadores na sua fazenda e
determinou que queria a todo preço a cabeça da onça em suas mãos. A partir
daquele instante, por determinação do fazendeiro a caravana partiu e se
embrenhou na mata cactosa à procura do animal feroz.
Essa onça (onça vermelha ou maçaroca) possivelmente
tenha sido mais um animal dessa espécie que fugiu de seu habitat natural, ou
seja. Vinda de outro Estado vizinho como: piaui, Maranhão, Paraíba ou Ceará, que
solitariamente depois de chegar aqui passou a ser perseguida por caçadores de
onças e de veados da região.
Aqui, o felino viveu seus poucos dias
num ambiente conturbado na caatinga japiense, o qual não lhe proporcionava quase
nenhum meio para ele se livrar da perseguição armada e mortal dos caçadores, quando
o único meio de sobrevivência do felino era se alimentar dos rebanhos dos
criadores de animais. Para isso a onça tinha que se aventurar se aproximando
dos currais das fazendas de rebanhos de bodes, de ovelhas e de bezerros na
tentativa de pegar algum animal para comer. Acredito que esses foram os
principais motivos pelos quais esse animal passou a ser perseguido por
caçadores e fazendeiros armados com espingardas, que sem dificuldades e sem
nenhuma reação por parte da onça, a encontraram e mataram-na num local em que
ela se encontrava praticamente presa. Depois
de matarem a única onça que caminhou nas terras de Japi, exibiram partes do corpo
dela no meio do povo, de casas e de fazendas, como se fosse um troféu ou marca
de heroísmo.
O caçador Curica e Nego de Luiz Severino
Veja
como tudo se deu: Segundo os informantes, última onça que caminhou na redondeza
de Japi, que matou muitas criações e amedrontou a população deste município,
especificamente alguns caçadores de animais selváticos, vaqueiros e pessoas que
andavam nas matas em busca de alguma coisa, foi a onça vermelha ou “maçaroca”.
Esse animal foi morto no ano de 1993. Nesse ano, o proprietário Agenor Targino,
que possuía uma fazenda no sítio Casinha, área que fica na parte oriental do
município de Japi/RN. Esse proprietário pediu aos caçadores e alguns de seus
moradores para irem matar a onça, porque um dia antes, vaqueiros havia
encontrado vários bodes mortos na sua fazenda e também tinham visto pegadas da
onça próximas aos animais mortos. Os animais mortos teriam sidos sangrados,
porém, o restante dos corpos estava sem perfurações.
Esse animal esteve uma semana antes na
localidade do Brandão, na parte ocidental do referido município, onde o
experiente caçador e rastejador Manoel Preto (o mitológico caçador de veado do
RN.) viu suas pegadas no chão do referido lugar, próximo ao local aonde nesse
dia ele tinha acabado de matar uma veada. Dessa vez, Manoel estava acompanhado do
amigo Chico de Zefinha Miguel, fato esse que será contado noutro texto deste
livro.
Referindo-se ao trajeto que a onça fez
até chegar à onde foi morta, o maior caçador de veado de todos os tempos dessa
redondeza (Manoel Preto) disse a mim que este animal havia deixado a área do
Brandão e seguido no pé da serra Grande. Mais tarde o felino atravessou as
serras dos sítios: Moquém, e Letreiro. Seguindo afrente, passou entre os
assentamentos de casinha e Milagres. Segundo o informante, por onde a onça ia
passando ia deixando muitos animais mortos. Todos os bichos que ela via matava.
Sangrava e deixava o corpo estirado. De fato, ela tinha se tornado o terror
daqueles dias. Matava quem atravessasse a sua frente, bebia um pouco de sangue
da presa e seguia com destino à nascente. O felino estava incontrolável,
matando todos os rebanhos das localidades de Milagre e Casinha.
Francisco Cosme (Xixico)
Segundo Xixico, no dia em que mataram
a referida onça havia uns cinquentas caçadores a procura do animal. Nesse mesmo
dia, partes desses caçadores avistaram a onça numa área que é conhecida por
serra do Mente Fogo, próximo do sítio Casinha. Antes, ela foi encontrada num
local chamado de pontes da hora. Ali, ela havia matado há poucos minutos uma
cabra. Sentindo a aproximação dos caçadores a onça partiu numa vereda e, por
acaso veio de encontro com um dos caçadores, cujo quando a viu ela já estava
muito próxima dele. Assustado e com muito medo o caçador atirou na direção da
onça e ela pulou na mata ao lado. Isso aconteceu às onze horas do dia. O homem
que atirou chama-se Zito das Queimadas. A partir daí, estreitou o cerco à
procura do felino. Até porque, naquele momento já sabiam que a onça estava ali
por perto.
Vale dizer que o primeiro tiro que
deram na onça ela foi atingida, porém o tiro não foi fatal. Embora assim, depois
disso, aonde o felino ia passando ia deixando marcas de pingos de sangue para
trás, o que facilitou mais ainda a perseguição e o encontro dos caçadores com o
animal ferido. Conscientes do ocorrido, rapidamente os homens se separaram
fazendo um grande círculo em volto da área em que possivelmente estava o
animal.
Possivelmente por causa do ferimento
do tiro que levara, pelo sangue que caia do seu corpo enquanto andava no meio
da caatinga sob um sol escaldante, assustada e sentindo pelo seu agudo olfato a
presença furiosa dos homens engatilhados que a perseguia por todos os lados com
sede de vingança e de morte, o animal perseguidor agora era perseguido sem ter
meios de escape.
Curica e Edson Batista
Na carreira desesperada fugindo dos
homens ia deixando sinais ainda mais fortes para os caçadores, que a cada
minuto que passava estreitava mais o cerco que foi formado em torno da área em
que se encontrava o felino. Por isso, percebendo que já não havia chance alguma
para ela romper o grande cerco que estava a sua volta resolveu entrar bruscamente
numa loca muito estreita que encontrou pelo caminho, aonde seis caçadores
chegaram minutos depois acompanhados de uma cachorra, cuja descobriu o
esconderijo, ecoou o felino, fez os caçadores voltarem em direção a loca e
entrou em luta corporal com a onça, quando quase foi morte nessa batalha
sangrenta.
Vejam os nomes dos caçadores que chegaram
ao esconderijo da onça, os quais participaram de forma direta e indiretamente
da matança do felino no local em que ele foi morto: Francisco Cosme (Xixico),
Benedito Dantas, “Curica”, “Mudim de Giroime”, Antônio Confessor e Antônio de
Creo.
No dia em que conversei com Xixico ele
me disse que estiveram próximos do lajeiro onde havia uma loca na qual dentro
dela estava a onça, porém reconheceu que todos do seu grupo foram muitos
displicentes, e que haviam saídos dali sem perceber nada. Mesmo que a cachorra
que os acompanhava tenha acuado a onça na loca. Ele disse que logo depois desconfiou
um pouco, que também algo ficou batendo em sua mente por não ter averiguado com
detalhe toda a área do lajeiro. Embora assim, havia um pressentimento de que o
animal estava perto dali.
Palavras de Xixico: - “Quando
íamos saindo a cachorra voltou para perto de nós e nós desconfiamos da maneira
como a cachorra se comportava. Ela quase queria dizer que a onça estava ali, na
loca do lajeiro. Com isso, todos desconfiamos e resolvemos voltar para averiguar
dentro da loca, pois, tínhamos esquecido de olhar direito todo aquele lugar. Ao
voltar a direção da loca a cachorra fez carreira na nossa frente e começou logo
a coar novamente, na beira da loca. Cismados eu e “Mudim de Giroime” se
aproximamos atentos. Quando fomos se aproximando da boca da loca a onça deu um
rugido e esturro muito alto e todos sentiram um bafo muito “fedorento”. Eu fui
rápido para um lado da loca e Mudim de Geroime foi para o outro, para que o
animal não tivesse chance de fugir da loca, pois nela haviam duas saídas”.
Xixico disse ainda que assim que
chegaram à beira da loca perceberam a onça muito nervosa e preocupada com a
cachorra. Na fala do informante foi dito que a onça vinha bem devagarinho
tentando pegar a cachorra e então a cachorra se afastava para trás. Com isso a
onça recuava um pouco. Nessa batalha dos dois animais chegamos e ficamos com os
gatilhos das espingardas armados. Assim se expressou Xixico – “Meu
amigo num lado da loca e eu do outro”.
A
cachorra avançou um pouco em direção da onça e ela veio novamente devagar na
direção que estava Mudim e a cachorra. Então ele atirou bem próximo da cabeça
do animal. Acertou no meio da testa e a onça virou de lado. Ficou só jogando a
mão esquerda. Xixico subiu no lajeiro e por uma brecha que havia na parte
superior da loca atirou no ombro da onça e ele morreu. Xixico disse que por
onde a mão da onça passava parecia um tratou arrastando tudo. Ringia tudo”.
Na fala de Xixico foi dito ainda que
quando Mudim atirou na onça a cachorra pulou em cima dela e agarrou numa de
suas orelhas. A mão da onça que se mexia acertou as costas da cachorra, fez um
golpe tão grande que os caçadores viam o fígado da coitada. Várias costelas
dela ficaram aparecendo - Embora quase tenha morrido a cadela foi uma
verdadeira heroína e prova de bravura. Para tanto foi ela quem encontrou a onça
e indicou com seus gestos onda de fato o animal estava. A coitada quase morreu
agarrado com o felino.
Na minha percepção, se tinha alguém
nessa história que merecia um troféu, esse alguém seria a cachorra. De fato,
ela e a onça foram os principais protagonistas deste enredo.
Ademais, fale salientar que o felino
foi morto sem reagir, quando se encontrava preso e a coado numa loca muito
estreita, sem defesa e sem apresentar nenhuma ameaça aos caçadores, quando ela não
podia nem sequer quase mexer-se e se movia agachada. Ela foi, portanto, a
última onça que apareceu nesse local e em toda área do município de Japi.
Segundos os informantes, minutos
depois de matarem a onça, os demais caçadores começaram a chegar. Então, cortaram
um pau de dois metros e meio de comprimento, amarraram os pés e as mãos do
felino no madeiro e levaram-na até a sede da fazenda de Agenor Targino que
ficava no Sítio Casinha município de Japi/RN. Na varanda e aos arredores do
casarão da fazenda do referido proprietário fizeram uma festa e um churrasco com
a carne da onça. Durante essa celebração o corpo da infeliz onça foi
espedaçado. A cabeça o fazendeiro Agenor Targino, que foi o mandante da caçada
ao felino levou para a casa ele, que ficava na cidade de Araruna/PB, aonde
ficou sendo exposta aos moradores daquela cidade como se fosse um troféu de
honra.
Segundo Curica, quando ocorreu esse
fato o então sargento daqui disse que ia denunciar todos os envolvidos na morte
da onça. Quando essa conversa chegou aos ouvidos do fazendeiro Agenor Targino ele
mandou imediatamente um recado para o sargento dizendo assim: “Diga ao sargento
se ele pagar todos os animais que a onça matou por onde passou eu pagarei a
onça”.
Segundo um dos informantes esse
assunto findou ali mesmo e nunca mais se falou nisso até agora. Hoje, tanto o
sargento como também o fazendeiro Agenor Targino já faleceu e só resta,
portanto, a história dos fatos que ocorreram aqui no nosso município, que foi
registrado neste enredo.
Fato curioso: Chico Curica disse que
o povo dizia que quem comer carne de onça nunca mais teria bexiga. Acontece que
ele comeu da carne da onça pensando que ficaria curado para sempre, e sabe o
que aconteceu? Veja as palavras dele! Deu uma bexiga tão forte em mim que quase
morri. Quase não era curado.
Autor: Edson Batista
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