sexta-feira, 16 de novembro de 2018

A ÚLTIMA ONÇA MORTA EM JAPI: A CRÔNICA DA ONÇA VERMELHA: A CAÇADORA QUE VIROU CAÇA


ESSE NOVO TEXTO É UMA CRÔNICA QUE APRESENTA A HISTÓRIA DA ÚLTIMA ONÇA QUE FOI MORTA NESTE MUNICÍPIO. ESSE ENREDO E OUTROS MAIS ESTÃO INSERIDO NA NOVA EDIÇÃO DO LIVRO QUE EM BREVE LANÇAREI AO PÚBLICO, CUJO ESTÁ SENDO REVISADO. OBSERVAÇÃO: O TEXTO PODERÁ SER ALTERADO.



Segundo o autor do texto essa é a espécie que mataram na localidade de Casinha
A imagem pode conter: atividades ao ar livre e natureza
Foto: André Pessoa

      Francisco Félix (Curica) e Francisco Cosme (Xixico) participaram ativamente dessa real história. Eles foram os principais informantes dessa grande aventura, cuja foi descrita em prosa, numa crônica. O enredo trata com detalhe, senas da luta cotidiana de uma fera selvática que na sua ânsia faminta, com um incontrolável e feroz instinto animal em busca por alimentos e por esconderijo, fugindo das armadilhas dos caçadores e donos de fazendas daquela época.
         Num pouco tempo em que a onça passou por esta redondeza, menos de três meses, foi o bastante para provocar à comunidade: prejuízos, espanto, medo, ira e revoltas aos moradores e criadores de rebanhos. Por causa disso, o então fazendeiro Agenor Targino indignado com a destruição que o felino estava provocando na sua propriedade (uma matança de animais em série), sentenciou a onça de morte. Para tanto, ele reuniu moradores e caçadores na sua fazenda e determinou que queria a todo preço a cabeça da onça em suas mãos. A partir daquele instante, por determinação do fazendeiro a caravana partiu e se embrenhou na mata cactosa à procura do animal feroz.
         Essa onça (onça vermelha ou maçaroca) possivelmente tenha sido mais um animal dessa espécie que fugiu de seu habitat natural, ou seja. Vinda de outro Estado vizinho como: piaui, Maranhão, Paraíba ou Ceará, que solitariamente depois de chegar aqui passou a ser perseguida por caçadores de onças e de veados da região.
        Aqui, o felino viveu seus poucos dias num ambiente conturbado na caatinga japiense, o qual não lhe proporcionava quase nenhum meio para ele se livrar da perseguição armada e mortal dos caçadores, quando o único meio de sobrevivência do felino era se alimentar dos rebanhos dos criadores de animais. Para isso a onça tinha que se aventurar se aproximando dos currais das fazendas de rebanhos de bodes, de ovelhas e de bezerros na tentativa de pegar algum animal para comer. Acredito que esses foram os principais motivos pelos quais esse animal passou a ser perseguido por caçadores e fazendeiros armados com espingardas, que sem dificuldades e sem nenhuma reação por parte da onça, a encontraram e mataram-na num local em que ela se encontrava praticamente presa.  Depois de matarem a única onça que caminhou nas terras de Japi, exibiram partes do corpo dela no meio do povo, de casas e de fazendas, como se fosse um troféu ou marca de heroísmo.

O caçador Curica e Nego de Luiz Severino 
A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e pessoas em pé        Veja como tudo se deu: Segundo os informantes, última onça que caminhou na redondeza de Japi, que matou muitas criações e amedrontou a população deste município, especificamente alguns caçadores de animais selváticos, vaqueiros e pessoas que andavam nas matas em busca de alguma coisa, foi a onça vermelha ou “maçaroca”. Esse animal foi morto no ano de 1993. Nesse ano, o proprietário Agenor Targino, que possuía uma fazenda no sítio Casinha, área que fica na parte oriental do município de Japi/RN. Esse proprietário pediu aos caçadores e alguns de seus moradores para irem matar a onça, porque um dia antes, vaqueiros havia encontrado vários bodes mortos na sua fazenda e também tinham visto pegadas da onça próximas aos animais mortos. Os animais mortos teriam sidos sangrados, porém, o restante dos corpos estava sem perfurações.
         Esse animal esteve uma semana antes na localidade do Brandão, na parte ocidental do referido município, onde o experiente caçador e rastejador Manoel Preto (o mitológico caçador de veado do RN.) viu suas pegadas no chão do referido lugar, próximo ao local aonde nesse dia ele tinha acabado de matar uma veada. Dessa vez, Manoel estava acompanhado do amigo Chico de Zefinha Miguel, fato esse que será contado noutro texto deste livro.
         Referindo-se ao trajeto que a onça fez até chegar à onde foi morta, o maior caçador de veado de todos os tempos dessa redondeza (Manoel Preto) disse a mim que este animal havia deixado a área do Brandão e seguido no pé da serra Grande. Mais tarde o felino atravessou as serras dos sítios: Moquém, e Letreiro. Seguindo afrente, passou entre os assentamentos de casinha e Milagres. Segundo o informante, por onde a onça ia passando ia deixando muitos animais mortos. Todos os bichos que ela via matava. Sangrava e deixava o corpo estirado. De fato, ela tinha se tornado o terror daqueles dias. Matava quem atravessasse a sua frente, bebia um pouco de sangue da presa e seguia com destino à nascente. O felino estava incontrolável, matando todos os rebanhos das localidades de Milagre e Casinha.
      
Francisco Cosme (Xixico)
Segundo Xixico, no dia em que mataram a referida onça havia uns cinquentas caçadores a procura do animal. Nesse mesmo dia, partes desses caçadores avistaram a onça numa área que é conhecida por serra do Mente Fogo, próximo do sítio Casinha. Antes, ela foi encontrada num local chamado de pontes da hora. Ali, ela havia matado há poucos minutos uma cabra. Sentindo a aproximação dos caçadores a onça partiu numa vereda e, por acaso veio de encontro com um dos caçadores, cujo quando a viu ela já estava muito próxima dele. Assustado e com muito medo o caçador atirou na direção da onça e ela pulou na mata ao lado. Isso aconteceu às onze horas do dia. O homem que atirou chama-se Zito das Queimadas. A partir daí, estreitou o cerco à procura do felino. Até porque, naquele momento já sabiam que a onça estava ali por perto.
         Vale dizer que o primeiro tiro que deram na onça ela foi atingida, porém o tiro não foi fatal. Embora assim, depois disso, aonde o felino ia passando ia deixando marcas de pingos de sangue para trás, o que facilitou mais ainda a perseguição e o encontro dos caçadores com o animal ferido. Conscientes do ocorrido, rapidamente os homens se separaram fazendo um grande círculo em volto da área em que possivelmente estava o animal.
         Possivelmente por causa do ferimento do tiro que levara, pelo sangue que caia do seu corpo enquanto andava no meio da caatinga sob um sol escaldante, assustada e sentindo pelo seu agudo olfato a presença furiosa dos homens engatilhados que a perseguia por todos os lados com sede de vingança e de morte, o animal perseguidor agora era perseguido sem ter meios de escape.                                                                    
                                                                                                                                                                                  Curica e Edson Batista
         Na carreira desesperada fugindo dos homens ia deixando sinais ainda mais fortes para os caçadores, que a cada minuto que passava estreitava mais o cerco que foi formado em torno da área em que se encontrava o felino. Por isso, percebendo que já não havia chance alguma para ela romper o grande cerco que estava a sua volta resolveu entrar bruscamente numa loca muito estreita que encontrou pelo caminho, aonde seis caçadores chegaram minutos depois acompanhados de uma cachorra, cuja descobriu o esconderijo, ecoou o felino, fez os caçadores voltarem em direção a loca e entrou em luta corporal com a onça, quando quase foi morte nessa batalha sangrenta.   
         Vejam os nomes dos caçadores que chegaram ao esconderijo da onça, os quais participaram de forma direta e indiretamente da matança do felino no local em que ele foi morto: Francisco Cosme (Xixico), Benedito Dantas, “Curica”, “Mudim de Giroime”, Antônio Confessor e Antônio de Creo.  

         No dia em que conversei com Xixico ele me disse que estiveram próximos do lajeiro onde havia uma loca na qual dentro dela estava a onça, porém reconheceu que todos do seu grupo foram muitos displicentes, e que haviam saídos dali sem perceber nada. Mesmo que a cachorra que os acompanhava tenha acuado a onça na loca. Ele disse que logo depois desconfiou um pouco, que também algo ficou batendo em sua mente por não ter averiguado com detalhe toda a área do lajeiro. Embora assim, havia um pressentimento de que o animal estava perto dali. 

          Palavras de Xixico: - Quando íamos saindo a cachorra voltou para perto de nós e nós desconfiamos da maneira como a cachorra se comportava. Ela quase queria dizer que a onça estava ali, na loca do lajeiro. Com isso, todos desconfiamos e resolvemos voltar para averiguar dentro da loca, pois, tínhamos esquecido de olhar direito todo aquele lugar. Ao voltar a direção da loca a cachorra fez carreira na nossa frente e começou logo a coar novamente, na beira da loca. Cismados eu e “Mudim de Giroime” se aproximamos atentos. Quando fomos se aproximando da boca da loca a onça deu um rugido e esturro muito alto e todos sentiram um bafo muito “fedorento”. Eu fui rápido para um lado da loca e Mudim de Geroime foi para o outro, para que o animal não tivesse chance de fugir da loca, pois nela haviam duas saídas”.
           Xixico disse ainda que assim que chegaram à beira da loca perceberam a onça muito nervosa e preocupada com a cachorra. Na fala do informante foi dito que a onça vinha bem devagarinho tentando pegar a cachorra e então a cachorra se afastava para trás. Com isso a onça recuava um pouco. Nessa batalha dos dois animais chegamos e ficamos com os gatilhos das espingardas armados. Assim se expressou Xixico – “Meu amigo num lado da loca e eu do outro”. A cachorra avançou um pouco em direção da onça e ela veio novamente devagar na direção que estava Mudim e a cachorra. Então ele atirou bem próximo da cabeça do animal. Acertou no meio da testa e a onça virou de lado. Ficou só jogando a mão esquerda. Xixico subiu no lajeiro e por uma brecha que havia na parte superior da loca atirou no ombro da onça e ele morreu. Xixico disse que por onde a mão da onça passava parecia um tratou arrastando tudo. Ringia tudo”.
          Na fala de Xixico foi dito ainda que quando Mudim atirou na onça a cachorra pulou em cima dela e agarrou numa de suas orelhas. A mão da onça que se mexia acertou as costas da cachorra, fez um golpe tão grande que os caçadores viam o fígado da coitada. Várias costelas dela ficaram aparecendo - Embora quase tenha morrido a cadela foi uma verdadeira heroína e prova de bravura. Para tanto foi ela quem encontrou a onça e indicou com seus gestos onda de fato o animal estava. A coitada quase morreu agarrado com o felino.
           Na minha percepção, se tinha alguém nessa história que merecia um troféu, esse alguém seria a cachorra. De fato, ela e a onça foram os principais protagonistas deste enredo.
          Ademais, fale salientar que o felino foi morto sem reagir, quando se encontrava preso e a coado numa loca muito estreita, sem defesa e sem apresentar nenhuma ameaça aos caçadores, quando ela não podia nem sequer quase mexer-se e se movia agachada. Ela foi, portanto, a última onça que apareceu nesse local e em toda área do município de Japi.    
         Segundos os informantes, minutos depois de matarem a onça, os demais caçadores começaram a chegar. Então, cortaram um pau de dois metros e meio de comprimento, amarraram os pés e as mãos do felino no madeiro e levaram-na até a sede da fazenda de Agenor Targino que ficava no Sítio Casinha município de Japi/RN. Na varanda e aos arredores do casarão da fazenda do referido proprietário fizeram uma festa e um churrasco com a carne da onça. Durante essa celebração o corpo da infeliz onça foi espedaçado. A cabeça o fazendeiro Agenor Targino, que foi o mandante da caçada ao felino levou para a casa ele, que ficava na cidade de Araruna/PB, aonde ficou sendo exposta aos moradores daquela cidade como se fosse um troféu de honra.
         Segundo Curica, quando ocorreu esse fato o então sargento daqui disse que ia denunciar todos os envolvidos na morte da onça. Quando essa conversa chegou aos ouvidos do fazendeiro Agenor Targino ele mandou imediatamente um recado para o sargento dizendo assim: “Diga ao sargento se ele pagar todos os animais que a onça matou por onde passou eu pagarei a onça”.
          Segundo um dos informantes esse assunto findou ali mesmo e nunca mais se falou nisso até agora. Hoje, tanto o sargento como também o fazendeiro Agenor Targino já faleceu e só resta, portanto, a história dos fatos que ocorreram aqui no nosso município, que foi registrado neste enredo.

          Fato curioso: Chico Curica disse que o povo dizia que quem comer carne de onça nunca mais teria bexiga. Acontece que ele comeu da carne da onça pensando que ficaria curado para sempre, e sabe o que aconteceu? Veja as palavras dele! Deu uma bexiga tão forte em mim que quase morri. Quase não era curado.

Autor: Edson Batista


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